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Entrevista com Brasil Rocha Brito
por:
Redação
Santos 21.05.07

O entrevistado Brasil Rocha Brito
21 de maio de 2007, na residência do musicólogo, pesquisador, jazzófilo, também grande conhecedor de Música Popular Brasileira, Brasil Rocha Brito, na seqüência das entrevistas para o site do Clube do Choro de Santos. Presentes os diretores, Luiz Carlos, Luizinho Pires, Jorge Maciel e Herlinha de Souza.

MARCELLO: A primeira pergunta que eu quero fazer a você Brasil é a seguinte: No livro “O Balanço da Bossa”, do Augusto de Campos, edição que eu tenho de 1968, Antologia e Crítica da Moderna Música Popular Brasileira, na época, e o Augusto trouxe além de você o Júlio Medaglia e o Gilberto Mendes, ambos inclusive participando desse livro. Como é que foi essa experiência e se você efetivamente coloca nesse aspecto: a Bossa Nova é Música Popular Brasileira mesmo?

BRASIL: Sim. Para mim a Bossa Nova é Música Popular Brasileira mesmo e você diz quanto à inclusão...Acontece o seguinte: esse artigo foi escrito como está aí, foi escrito em 1960 e foi publicado em 60 na página Invenção do Correio Paulistano. Daí é que depois de oito anos é que saiu na primeira edição de O Balanço da Bossa que o Augusto foi convidado para fazer o livro, uma espécie de antologia e, aliás, ele foi convidado a escrever. Ele falou: não, não! Eu prefiro o seguinte: eu prefiro pegar artigos já escritos, inclusive até alguns dele mesmo...ele fala que os artigos dele são artigos que...outros eram realmente de músicos, diz ele, e ele era de “incursões de guerrilheiro”. Ele entrou assim pra...varreu ali, saiu e voltou, recolheu-se que nem um guerrilheiro. Que ele não era...diz que não era um músico como os outros. Acho que eu também não sou. O Medaglia é um maestro e o Gilberto Mendes é um compositor de música erudita já...!

MARCELLO: Mas tem posições polêmicas não é?

BRASIL: Inclusive eu não concordo com algumas posições há muito tempo. Embora eu diga o seguinte: se eu tivesse que entregar, vamos dizer, no momento que precisasse entregar o que eu tenho, um cheque em branco para dar a uma pessoa, entre essas pessoas que eu entregaria, eu faria isso ao Gilberto, tamanha é a minha confiança na pessoa dele. Eu o tenho numa condição de que é uma pessoa especial. Agora eu me permito não concordar com a posição dele, eu como interessado em música e ele como compositor, numa porção de coisas. Numa porção de condições...isto não é coisa recente não. É bastante antiga, é de muito tempo.

MARCELLO: O José Ramos Tinhorão, que também é santista de nascimento, tem opiniões absolutamente polêmicas, principalmente com relação à bossa-nova, e eu queria saber o que você acha do Tinhorão (risos).

BRASIL: Bom o gozado é o seguinte: eu vou me alongar um pouquinho, você vão me desculpar. O Debussy (compositor erudito) quando ganhou o prêmio de Roma, o Grande Prêmio de Roma, qualquer coisa assim, quando ele compôs Mademoiselle Elli (favor confirmar o nome), ele ficou tão preocupado porque aquilo lá, geralmente quem ganhava...ele inscreveu assim por inscrever a obra dele. E quando ganhou ficou preocupadíssimo. Ele falou assim: será que eu fiz um negócio tão ruim que...quem costumava ganhar aquele prêmio (não deu pra entender o nome do prêmio) eram compositores inexpressivos, pra esquecer mesmo, descartáveis.

MARCELLO: Como era o nome da composição, por favor?

Entrevista com Brasil Rocha Brito
BRASIL: Mademoiselle Elli (favor confirmar o nome). Quando ganhou ficou preocupado, e a obra era boa. Então, a mesma coisa vou dizer agora sobre o Tinhorão. É o seguinte: quando esse livro foi publicado - eu tenho aí em algum lugar - ele diz o seguinte: “a única coisa que prestava, em tudo o que ele leu, foi o artigo do Brasil Rocha Brito” (risos). E eu sei porque ele falou isso! É porque eu coloquei a Música Popular Brasileira, a bossa-nova, mostrando a bossa-nova no sentido de uma...da sua ligação às raízes da Música Popular Brasileira, inclusive colocando algumas coisas que depois eu me consternei: será que está certo isto? E hoje eu considero que está certo sim o que eu disse. Pra mim, continuo com aquela coisa que eu tive já em dúvida: é se a Música Brasileira não é profundamente ligada ao culto da melodia, é, eu acho que é. Quer dizer, nunca, dificilmente ela passaria por uma fase que passou o jazz. De fazer, de se fazer música que a melodia não fica assim detectável, não digo que a música precisa ficar com a melodia assim, assobiável. Não é isso. De modo que a melodia é reconhecível, assim que seja detectável, uma coisa que seja...Isso parece que é condição. Inclusive na música instrumental aparece isso. A música instrumental brasileira é impressionante. Inclusive hoje eu ouvi pela primeira vez, presente da Léa Freire. Eu vou me estender mais um pouco. A Léa Freire é o seguinte: eu sou formado engenheiro na Politécnica. Em 2003 nós fizemos 50 anos de formados – Marcello: aliás, colega do nosso diretor do Clube do Choro, Luiz Carlos, na SABESP - então no jantar...no almoço que teve lá, eu encontrei com meu ex-colega o Nelson Peixoto Freire, uma das pessoas que eu mais apreciava no tempo de escola e ele no meio da coisa inventou: “Ô Brasil, você não pertence a essa turma; vem cá, você vai tocar, coisa e tal, inventou o seguinte...Estavam lá profissionais, estava lá aquele rapaz, como chama? Compositor. O Laércio? Não, o Laércio não. Compositor. É um compositor relativamente jovem, uns trinta e poucos anos. Esqueci o nome dele. Bom, ele estava lá...Tony Garrido! Estava lá e me levaram ao piano de cauda, eu há seis sete anos sem mexer num piano na minha vida, fui lá e tocar música do repertório daquele tempo, do tempo de escola, da escola da Poli. E tocar aquele negócio que eu tocava na época, lá, esbarrando em nota e coisa. Aí ficou uma turminha em volta, coisa e tal. Bom, e aí eu sei que...o Nelson Freire falou: olha eu tenho uma filha que é musicista. Você não conhece? Léa Freire! Não, sinceramente não conheço. Aí me interessei em conhecer Léa Freire. Então, fui atrás do disco, comprei, coisa e tal, e interessadíssimo, principalmente na fase, não na primeira fase, inicial, no primeiro disco dela, que já gostei bastante, mas ainda não chegou a me conquistar assim como “Antologia da canção brasileira 1 e 2”, que eu comprei e achei espetacular. Então eu fiz um negócio por escrito, sem eles me pedirem nada, eu fiz uma apreciação sobre aquilo demorada, passei assim, acordava quatro horas da madrugada e fazia, escrevia, e depois ouvia. Depois eu falei pra ele: tenho isso assim, assim e mandei. Gostou a Léa, gostou muito, tal e coisa, e agora ela lançou “Cartas brasileiras” lá em São Paulo e convidou para eu ir. Eu não pude ir, expliquei o motivo porque eu não pude ir, inclusive um dos dias em que ela se apresentava era o Dia das Mães. Mas ela mandou...chegou ontem...um disco que ouvi agora a tarde, o “Cartas brasileiras” da Léa Freire. E eu acho que a Léa Freire – não é por ser filha de um amigo não – mas realmente é um dos exemplos de musicista, de música, de pessoa musical, instrumentista, mais que instrumentista, porque além de excelente instrumentista na flauta, tanto nas flautas, ela é ótima compositora e ótima arranjadora. Ela domina. E ela está fazendo uma música muito interessante por causa disso, porque ela está...a música dela...embora isso que eu estou dizendo...há uma presença constante da melodia, a melodia você acaba de ouvir aquelas peças de dois, quatro ou seis minutos, você, talvez, tenha que ouvir muitas vezes pra tentar assobiar, porque não é...ela não está apelando para você guardar aquela melodia...então é um negócio que me lembra, em certo aspecto, a experiência do que foi digitado em 1980 pelo Estúdio Eldorado do Laércio de Freitas. Laércio de Freitas fez aquele...do choro...!

MARCELLO: Não é o São Paulo no balanço do choro?

BRASIL: São Paulo no balanço do choro, que é um estouro aquilo. Um estouro. Ao meu amigo Esmê, o subtítulo. Aquela...como eu disse pra Lea...aquilo são choros sob nova arquitetura.

MARCELLO: Eu também acho. Para mim é um dos melhores trabalhos que eu ouvi na minha vida é aquilo lá.

BRASIL: Impressionante. E ela está fazendo algo...inclusive interessante o seguinte...que enquanto eu falava isso com...escrevia isso pra ela, pra Lea, ela chamou pra...por que ela é a dona da Maritaca (gravadora independente), não sei se vocês sabiam. Ela é a dona da Maritaca.

MARCELLO: Sim. Eu a entrevistei na Litoral.

BRASIL: E ela chamou para a Maritaca o Laércio. Nesse meio tempo encontrou o Laércio, não por minha causa, não é isso. Mas ela chamou o Laércio...já estava uma turminha...já tinha, vamos dizer, uma linhagem do Laércio já estava lá. O Proveta, embora o Proveta vai em várias jogadas, mas o Proveta estava lá tocando com ela na Maritaca.

MARCELLO: Também esteve conosco aqui em Santos recentemente, uma grande músico, grande músico mesmo. Eu tive oportunidade de entrevistar a Lea na Rádio Litoral, aliás entrevistei cinco de uma vez, ao mesmo tempo: a Léa Freire, a Guzzi Whooley, o Arismar do Espírito Santo, Théo de Barros e o Filó Machado. Então você divide num programa...você lembra né Herlinha...num programa ao vivo de uma hora, você tem que dar dez minutos para cada um, você tem que contar break, tocar as músicas, um monte de coisas. Então peguei os cinco pela proa. Foi muito interessante, foi muito assim...gostoso...muito jogado...e a Lea...ela é muito alegre, ela é muito festiva, ela é muito brincalhona, até deu uma camiseta da Maritaca para minha filha Rafaella...aliás ela deu pra mim e eu tive que dar pra Rafaella porque aí era sacanagem (por causa do tamanho da camiseta). Era muito pequena para um cara gordo como eu. Ficou melhor na Rafa.

BRASIL: Você segue os textos dela...nos discos dela...você percebe que tipo de pessoa ela é.

MARCELLO: Ela é muito legal. Eu achei muito assim...nem nada exibida, nada, simplória até demais.

BRASIL: Mas eu não a conheci.

MARCELLO: Ah, você não a conhece pessoalmente?

BRASIL: Não! O pai dela...eles trocavam muito...então é um sarro que é o seguinte: é Nelson Peixoto Freire. Ele põe: Nelson P. Freire. Um dia eu...ela falou: o Nelson Freire? O que o cara quer comigo. Eu não conheço Nelson Freire pessoalmente (risos). Eu admiro Nelson Freire, tenho coisas dele, tenho discos dele, mas...!

MARCELLO: Bom, então em cima disso que você falou, pelo menos eu concluo que você acha que a bossa-nova tem na sua estrutura o choro e o samba sincopado. Confere Brasil?

BRASIL: Sim.

MARCELLO: Até porque eu já ouvi de outros compositores e músicos falarem sobre isso. E vou dizer a você que a primeira vez que eu ouvi isso eu me espantei, porque eu nunca tinha parado para pensar, ou ter lido, ou ter visto alguma coisa. A partir daí é que eu comecei a procurar.

BRASIL: Depois que o Jobim morreu...não quando ele estava vivo...depois que ele morreu, apareceram afirmações sobre...que ele teria dito...que ele achava que a Bossa Nova também tinha muita...isso ele não precisava nem dizer...vamos dizer assim...que tinha muita influência da música impressionista francesa de Debussy e Ravel. Bom, mas aí poderia haver até uma...vamos dizer, uma aproximação direta do Jobim isso, ou através do jazz - que o Jobim teve muito jazz, ele era interessado em jazz – e o jazz, vou dizer uma coisa, principalmente no piano, tinha representante naquela linha. A partir do Art Tatum pra cá é um negócio. Todo piano de jazz de Art Tatum pra cá, é muito mergulhado no impressionismo. Você nem pode imaginar fazer aquilo sem as harmonias de Debussy e Ravel. O próprio Art Tatum, que era um negócio.

MARCELLO: Isso vem provar que alguém nasce de alguém, não é? Ninguém nasce de chocadeira ou sozinho. Você tem que ter uma base...!

BRASIL: O Professor (não deu para entender o nome) dizia o seguinte: “Pessoal, todo mundo tem pai e mãe”. Verdade, todo mundo tem pai e mãe.

Entrevista com Brasil Rocha Brito
MARCELLO: E isso me chamou a atenção na primeira vez que eu li que foi na Revista Roda de Choro, num texto do Maurício Carrilho, sobrinho do Altamiro, falando sobre isso – a influência do choro na bossa-nova - eu nunca tinha visto ninguém falar isso. E aí eu comecei a buscar essas informações a respeito. Realmente, é verdade. E quando ele termina, ele fala...preste atenção...Chega de Saudade não é bossa é samba-choro. Aí eu pensei...ôpa!...eu comecei a ver...comecei a buscar algumas informações, algumas experiências, então por isso que eu queria perguntar ao Brasil, porque, para mim, literalmente, a bossa-nova tem requintes de choro e de samba-sincopado e que essa jazzificação da bossa-nova, no meu entendimento - o Brasil depois vai falar sobre isso – isso é posterior, porque não foi a bossa-nova que foi se acudir do jazz. Foi ao contrário. O jazz é que veio se acudir da bossa-nova, porque estava entrando num estado de mesmice, na minha opinião – vamos ouvir a opinião do mestre aqui – a respeito disso. Eu até conversava muito com meu pai – se vocês não sabem, o Brasil foi muito amigo e companheiro do meu pai – e os dois absolutamente jazzófilos, meu pai até muito mais porque, esse conhecimento de Música Popular Brasileira isso é mais do Brasil do que do meu pai. Meu pai era eminentemente jazzófilo. Ele gostava muito de música americana, de big-bands, tinha uma coleção...Agora, esse lance da MPB...muita gente pergunta porque que eu fui para a música brasileira, sendo filho de jazzófilo, e o meu irmão pegou essa índole todinha do meu pai, não é? E eu já...eu fico...eu vou em todas também, não tem problema. Quer falar sobre jazz a gente fala, não tem problema nenhum. E é o caso do Brasil. Porque quando surgiu a bossa-nova - isso já era um processo de modificação que vinha desde os anos 30/40 – mudou a forma de cantar, mudou a forma de tocar e mudou a forma de compor. Foi uma revolução dos diabos e que na minha opinião começa – aí em termos de mídia com Mário Reis. Confere? Podendo-se até voltar atrás dele (de sua época).

BRASIL: Eu até escrevi um artigo, anos atrás, aqui na Tribuna, o seguinte: que o João Gilberto têm duas ligações, vamos dizer, têm ligações com dois cantores do passado: um seria Mário Reis, pelo jeito intimista, de tessitura vocal menor, pequena, era um sujeito que não precisava do “dó de peito”. Chega lá, canta no microfone e estamos conversados. Banquinho e violão, bom...! Mas sob outro aspecto, Mário Reis canta secamente. Isso nunca João Gilberto fez. Só fez uma vez, só fez isso num negócio assim...no sarro, no disco Brasil que ele fez isso cantando aquela música americana...eu escrevi até um artigo sobre isso...chama swing com axé. Ele fez a música americana, ele fez o seguinte, cantando desse jeito, os três, João Gilberto, Caetano e ele, cantando essa música. Depois posso...até dizer...eu tenho aquilo e passo a informação. Mas, então, ele elogia...em 60 ele deu uma entrevista para O Cruzeiro, que eu cito rapidamente aí, que ele fala que ele - João Gilberto – admirava demais Orlando Silva. Que ele, por exemplo, não admirava tanto – ele diz isso – tanto o Silvio Caldas, tal e coisa, porque ele achava Silvio Caldas cantando Morena boca-de-ouro, ele cantava mastigado, segundo ele diz. Enquanto achava que a emissão de voz do Orlando Silva é que era aquela que...que calou...!

MARCELLO: Que norteou o canto no Brasil, vamos dizer assim!

Entrevista com Brasil Rocha Brito
BRASIL: Inclusive o seguinte: quer dizer, ele está mais perto nesse aspecto, muito mais perto do Orlando Silva do que do Mário Reis. Porque o Mário Reis era um cara que cantava secamente (Brasil nos mostra, nesse momento, como ele interpreta o cantar de Mário Reis). Cantava assim, cortando tudo. João Gilberto não gostava disso, inclusive vamos fazer um negócio aqui...seguinte: porque na casa dele, em 61, o Tom falou...estava falando sobre o Carlinhos Lira, cantando os discos dele. Ele falou assim: “mas eu vou te contar uma coisa. O João Gilberto falou pra mim o seguinte: que o Carlinhos Lira...ele canta...tem secura assim no cantar...ele canta cortando as notas...o que ele não admite. Ele gosta de prolongar as notas...não prolongar assim feito pedal em piano, não isso. Mas ele, conforme se desenvolve o fraseado, ele acha que tem que esticar ou tem que cortar mais rápido. Ele faz secamente, pode ver. E o João Gilberto tem...pra mim é um sujeito...o seguinte: não se espere do João Gilberto que seja um “chansonier”, seja um cantor como um Frank Sinatra, como um...que canta isso, canta aquilo. Não. O João Gilberto canta aquilo que casa com o interesse dele, casa com a concepção que ele tem da música. Se a música inclusive...ele até não canta todas as notas da música, como a música do Herivelto Martins (Ave Maria no morro). Ele gravou, mas a parte de Ave Maria ele não canta, que é capaz de cantar no agudo, tal e coisa, para ele não...ele tirou da música. Ele pura e simplemente, cortou da música. Ele gravou e sempre que ele canta em televisão não toca aquela parte.

MARCELLO: Inclusive agora você aproveitou, já respondeu a outra pergunta que eu iria fazer, mas sem problema, está perfeito. Emendando e continuando nessa mesma tônica, a outra pergunta que eu quero te fazer – que muitos compositores, nós conversamos isso inclusive antes – já faziam bossa-nova sem saber, podendo se dizer que o Noel foi o primeiro cara que usou expressão “bossa” numa composição e você pode pegar aí...você citou, inclusive muito bem lembrado, o Custódio Mesquita, você tem o Garoto, muito antes de se falar em bossa-nova.

BRASIL: O Cavalcante (Armando Cavalcante), o Klécius Caldas, que fizeram músicas para o Dick Farney. Aquelas músicas do Dick Farney, a maioria era deles. Aliás, eram músicas que prenunciavam, alguma coisa assim.

MARCELLO: Já induzia que aquilo iria a algum lugar?

BRASIL: Inclusive o Garoto!

MARCELLO: Com José Vasconcellos, o humorista (ambos compuseram “Nick Bar”, gravação clássica de Dick Farney).

BRASIL: O Gilberto Milfond, que era um cantor que pouca gente sabe que era compositor também.

MARCELLO: Aproveitando a estada da Herlinha aqui, lembrando que nós estamos também falando...trazendo um pouco da bossa-nova...aproximando a bossa-nova do choro, você teve oportunidade de conhecer o Luis Roberto, integrante de “Os Cariocas”?

BRASIL: Não! Acontece o seguinte: eu seguia a trajetória dos Cariocas, inclusive lendo bastante sobre eles, lendo todas as contra-capas dos discos deles, inclusive discos que eu nem tinha, inclusive tem um...num disco que conta isso que eu falei para você.
BRASIL: Não por cabotinismo meu, é o seguinte: o que eu vou dizer vai ser um auto-elogio. No comecinho de 91, eu morava em apartamento, tocou o telefone e atendeu meu filho caçula, Roberto. O telefone era...quero falar com o Sr. Brasil Rocha Brito. Mas quem queria falar? Eu peguei na extensão. Não adianta falar quem eu sou. Eu vou dizer meu nome porque o assunto é tal. Mas ele não me conhece porque eu sou recomendado pelo Fernando Faro. Falei com ele e ele disse para eu falar com o Augusto de Campos. É o seguinte: é que vai ser, agora em 91 vai ser o...vai fazer 60 anos o João Gilberto e queríamos que...vamos fazer uma coisa que vai ser no Rio e em Salvador, vamos fazer um negócio, tem até verba - não sei o que mais – prometida. Bom, e aí então Edinha Diniz que é escritora – escreveu um livro sobre Chiquinha Gonzaga – começamos a ter um contacto. Eu nunca a encontrei pessoalmente. Minha família sim. Porque eu estava naquele tempo trabalhando e não dava para ir lá. Não estava em férias. Então acontece o seguinte: saiu o livro Chega de Saudade e o João Gilberto ficou uma arara. Falou que era “Chega de Bobagens” (risos).

MARCELLO: Então isso vem confirmar o que a Herlinha fala até hoje!

BRASIL: Chega de Bobagem. Primeiro porque parece – eu não li – mas parece que contou casos possíveis dele...não casos de envolvimentos amorosos, não isso. Eu digo: casos de ele fazer isso, fazer aquilo, ter certas manias ou não.

MARCELLO: Isso ele é bem explícito até.

BRASIL: Então ele conta coisas que não agradou nenhum pouco o João Gilberto, embora o João Gilberto seja uma pessoa...estive duas vezes com ele e achei incrível, achei uma pessoa (riso tímido) complicadíssima. É um sujeito que chega, se ele está com o violão assim...aquele silêncio, ninguém fala nada, um fica olhando para o outro. O Jobim não. O Tom já acostumado e a esposa dele, a primeira esposa estava acostumado com a Tereza, não faziam nada. Mas eu era novo no pedaço ali...o que é isso! Ele é assim.

MARCELLO: Ele é de reações absolutamente inesperadas não é?

BRASIL: É uma coisa impressionante. Agora você está falando do...então houve isso. Houve esse negócio. Aí ela tinha...a Edinha tinha conseguido alguns artigos publicados na Tribuna, não sei como foi que ela conseguiu, mas poucos, e mostrou para o João Gilberto e ele morava na Rua Almirante Guilhelm (confirmar) numa torre, num prédio de 18 andares, qualquer coisa assim...era torre na época...no último andar, na cobertura, morava o João Gilberto e no 12º andar parece que morava a Edinha. Então foram lá minha esposa, meu filho que morava no Rio, Roberto – no dia em que ele atendeu o telefone ele estava de passagem por aqui, estava de férias – e o seguinte, quer dizer, ele depois de ler os artigos e outros que eu mandei pra Edinha e ela deu pra ele, ele achou que já me conhecia. Então ele, oh, esse sabe das coisas, ainda falou assim, esse sabe das coisas, o que eu levo com certo cuidado, isso porque é o seguinte: ele é uma pessoa muito passional também, quer dizer então, a apreciação dele não é uma apreciação que eu considere tão – vamos dizer – ponderada, porque, por exemplo, o Tom falou coisas agradáveis para mim e eu sabia que era uma pessoa ponderada, então quer dizer, era uma outra “clave” não é (riso tímido).

HERLINHA: O senhor não leu o livro todo porque? Cansou?

BRASIL: Não, eu não li o livro todo por que...

HERLINHA: É desinteressante, é mentiroso...

BRASIL: Por essa razão. Por que...achei algumas coisas assim...

HERLINHA: É por que eu fico numa situação...minha situação é delicada...fui mulher de um cara que fez parte do maior grupo vocal deste País. Então eu vivenciei milhões de coisas, eu vi, eu ouvi, mantinha sempre uma certa distância para poder observar melhor. Então quando foi lançado o livro do Rui Castro que foi na boate Scala, eu fui convidada para ir com Os Cariocas, eu já tinha lido o livro antes. Falei pra ele: “quando você for escrever sobre aquilo que você não conhece, você chama a mulher dos músicos, que a gente sabe muito mais”. Por que ele escreveu um monte de mentiras, deixou de entrevistar pessoas importantíssimas que ficaram magoadas, entendeu, porque era aquela tal história, ele perguntava “o que você acha de fulano”. Se ele gostasse ele falava bem. “Que você acha de beltrano”. Então ele não sabe nada, ele nunca foi ao Beco das Garrafas, o depois, “A onda que se ergueu no mar” – aí ele já tinha contato com aquelas pessoas e podia escrever. Mas o Chega de Saudade é um amontoado de mentiras, ele nunca foi ao Beco, não sabia onde era. Quando ele chegou no Rio de Janeiro, o Beco não existia mais.

BRASIL: Ele soube, creio eu, ele soube...não estou dizendo que ele tenha sabido que o João Gilberto tenha dito isso. Mas ele soube de repercussões negativas no meio das pessoas.

HERLINHA: Olha, o senhor quer ver uma coisa? No dia que o Luis morreu, o Luis morreu no palco do Jazzmania, cantando. Vinte anos depois Os Cariocas voltaram, ele estava lá, teve um enfarte e morreu. O Rui Castro...eu tenho guardado...na Folha de São Paulo ou no Estadão, num dos dois, eu não me lembro, que o Luis tinha morrido porque a Prefeitura do Rio estava devendo um dinheiro a ele, do negócio que teve lá...A Barra é Nossa... fizeram um negócio lá. Mas o Luis não morreu por causa disso. Realmente, a Prefeitura não pagou, o dinheiro fez falta, mas ele não tinha o direito...ele disse que fui eu que falei...tenho lá a Folha guardada. Quer dizer, como aquele primeiro livro dele “O melhor do mau-humor”, até eu, pego um apanhado de frases...a única que eu gostei do livro inteiro foi “a cigarra quanto canta morre; tem gente que já morreu antes de cantar”.

BRASIL: Ele tem o seu valor, eu considero que ele tem o seu valor, como uma pessoa que vai fundo nas pesquisas, tal e coisa. Mas eu acho que ele se machucou...!

HERLINHA: Com a famíla do Garrincha...

MARCELLO: Veja bem, eu acho que até hoje, por tudo...você (Brasil) inclusive coloca isso aqui (no seu capítulo, no livro Balanço da Bossa) “entretanto, apesar de tudo que se diz contrária ou favoravelmente a esse movimento renovador – a bossa-nova – (palavras do Brasil), parece não ter sido estabalecida até o momento uma apreciação técnica fundamentada, que através de uma análise minuciosa permitisse situar melhor os característicos individualizadores das obras compostas, dentro de uma nova concepção musical”. Define muito bem isso. É muito perigoso mexer nisso.

BRASIL: Eu acho que ele se machucou nisso, porque ele foi talvez...que ele está fazendo um outro tipo de trabalho. E ele não foi feliz, não foi feliz na coisa, e inclusive, quer dizer, com isso, por exemplo, o João Gilberto tinha razão. Que a pessoa...se falam que a pessoa fez isso, que faz aquilo ou publicam que o sujeito tem uma certa mania, que o sujeito faz isso, que o cara pega o carro e sai a 140km por hora, num carro velho, tal e coisa, com a luz apagada, isso...!

MARCELLO: Misturou a parte artística com a vida pessoal, com a particular...!

BRASIL: Isso aí não foi ele, mas isso também saiu. Estou dizendo, saiu em revista. É o seguinte: que a gente fala...eu não fazia idéia disso, a não ser pela reação das pessoas que eu já contei. Eu quando vinha do Rio, do encontro com o Tom na casa dele, eu chegava e fazia um relato de coisas que os...olha aconteceu isso, tal e coisa, alguma coisa assim como não fosse essencial, fosse coisa acessória. É um negócio assim. Então em 68, em julho de 68, eu estive na casa dele...ele morava antes...ele morou na Nascimento e Silva 107, num apartamento, depois na (não deu para entender o nome da rua) 107, morou muito tempo, onde mais encontrei com ele e depois na Codajás 108 que ele dizia: “eu progredi”. Em frente morava o Paulo Sérgio Valle. Ele falava pra gente...eu falei no Marcos Valle...e ele dizia: “ele mora ali, oh”, em frente.

HERLINHA: O pai dele era presidente da Cruzeiro do Sul.

BRASIL: E o rapaz era...o Paulo era piloto. É, o Paulo Sérgio era piloto. Bom, então...!

MARCELLO: E advogado.

BRASIL: Então conversando com o Tom, em 68, ele foi mostrar a casa nova enquanto tinha... tinha umas pessoas na casa que ele estava também atendendo, ele falou: “dá licença”. Queria mostrar pra mim o estúdio dele. Ele fez um estúdio a prova de som, aquele negócio lá, então ele tinha além das coisas dele, tinha lá equipamentos do filho dele, do Paulo, que era...em 68 era um garotão...e ele então falou pra mim o seguinte: dentre outras coisas...ele falou várias coisas...ele falou assim: “pois é, olha: agora isso aqui eu vou mostrar pra você”...tocou uma coisa...”agora aquilo ali eu nem sei mexer, que aquilo é coisa de outra gente, esse pessoal é outra gente, o meu filho, essa turminha dele aí, é outro pessoal, porque, olha só: nós, Brasil, quando éramos garotos empinávamos pipa e coisa, a gente...madeira com madeira...a gente...metal com metal...a gente tinha que soldar. Essa turma hoje, metal com metal, eles colam o seu. Eles colam, metal com metal, eles colam. Então é outro pessoal, estão com outra cabeça”. Então, eu no meio das coisas, como para alguns eu falei disso aí, daí uns tempos falei...que é melhor assim. Metal com metal, soldava.

LUIZINHO PIRES: Brasil, Herlinha, a poucos instantes, falou da ascenção do Sérgio Mendes, citou alguns personagens da raça negra, o Paulo Moura, o Dom Um, eu queria que você discorresse a respeito disso, a presença da raça negra na bossa-nova.

BRASIL: Vou dizer mais uma coisa que eu estava com vontade de dizer e vou aproveitar isso. É que...o primeiro disco que eu conheci do Sérgio Mendes foi aquele disco que ele gravou com dois trombonistas, o Maciel (Edmundo) e o Raul de Souza; o Costita (Hector), o argentino, e que ele gravou duas coisas do Moacir Santos, gravou várias outras, músicas interessantes, e gravou uma música do niteroiense, um rapaz de Niterói; bom, então, vamos dizer, o começo, primeira vez que acho que gravou...talvez tenha sido...primeira vez que o Raul de Souza gravou uma coisa - um sujeito que é considerado pelos próprios americanos como um dos maiores trombonistas de todos os tempos - então, surgiu o Sérgio Mendes e, como você disse, temos os negros, temos o Moacir Santos - que não é um são tantos – como dizia o Vinicius, e o Paulo Moura. São músicos...!

HERLINHA: Pedro Paulo abandonou, era trompetista...

BRASIL: Era o Pedro Paulo, trompetista. Hoje é médico, eu vi até uma entrevista com ele...não foi o Paulo Moura, foi o Pedro Paulo.

HERLINHA: No primeiro grupo estava o Paulo Moura.

BRASIL: O Paulo Moura é um sujeito fora de série; mais fora de série que ele ainda eu acho o Moacir Santos que...eu tenho o DVD dele, o único que foi gravado, foi lançado e daí a pouco ele faleceu, “Ouro Negro”, eu tenho o DVD, tenho o CD já há algum tempo...eu acho o Moacir Santos uma coisa rara na música, porque ele tem...ele é muito pessoal, a obra dele é muito pessoal, quer dizer, ele tem...ele está balançando entre a música erudita e a música popular e ele faz com maestria aquilo, muito, muito bem. É aquele...as obras dele, aquelas coisas, todas as coisas que tem, parece que são onze, coisa assim. São onze peças. Uma delas é Nanã.

MARCELLO: E isso, com certeza, você vai encontrar no Japão. A obra inteira...

BRASIL: Esses músicos negros...inclusive o seguinte...ao contrário do que muita gente pensa, eles tiveram interesse em estudar música, porque a gente pensa, bom o sujeito vem de um meio menos favorecido, mais pobre, tal e coisa...o Paulo Moura estudou no mesmo (...) que eu. Eu vi uma entrevista. Eu não sabia disso. Soube relativamente há pouco tempo. Ele foi aluno do (...). O Moacir Santos nem se fala, estudou com meio mundo.

JORGE MACIEL: Com Pixinguinha?

BRASIL: Pixinguinha é como outro dia. Eu assisti na televisão um programa sobre ele, meia-hora de programa. O Pixinguinha, ele, personalíssimo também. Porque ele tocando Carinhoso, estava outra pessoa solando no clarinete e ele no contracanto, impressionante, especialmente o contracanto dele, no sax. Um contracanto que não era dele, não era assim comercial, não é para gravar, tal e coisa. Me lembro do jazz quando surgiu nos Estados Unidos o Stan Kenton, o pessoal aqui no Brasil pouco foi difundido.

HERLINHA: A banda dele era uma maravilha! Adoro Stan Kenton.

BRASIL: Eu sou gamado em Stan Kenton. Então é o seguinte: eu tenho aquelas coisas...daquele tempo eu tenho tudo aí...primeiro em LP de dez polegadas...depois...agora já saiu em CD, eu importei dos Estados Unidos e tenho. Acho que foi nos anos 80, eu estava na casa do Augusto (de Campos) em São Paulo e o filho dele, o Cid, que é baixista, estava um conjunto chamado “Sexo dos Anjos”, que depois se desfez; fez um outro conjunto “Hipertensão”, também se desfez e hoje não tem mais. Então estava o Luiz Brasil, um violonista, que depois veio tocar até...apareceu no Free Jazz aqui, junto com valores do jazz americano e o...então eu levei em K-7, essas coisas de 1947, gravações de jazz do Stan Kenton. Você imagina, 1947. Então toquei para o Augusto e ele ficou, o filho, eu...e levei também uma gravação de 49 de um...extraída de um 78rpm que eu tenho aí do Les Paul, tocando de um lado do disco 78, “Delicado”, do outro lado “Lover”. Mas ele no mesmo lado também ele toca...ele toca em várias pistas...!

MARCELLO: “Delicado” do Waldir Azevedo?

BRASIL: Isso. Ele toca...então é um negócio, inclusive o seguinte, quer dizer, ele tinha um sistema que ele fazia...ele tinha um negócio que a gente entrava na porta e dizia (...) junto a guitarra elétrica ele gravava e superpunha depois na pista. Ele fazia isso no tempo em que não tinha tantos recursos. Não tinha oito pistas, dezesseis pistas. Ele fazia...ele antes até de fazer com a esposa (não deu para entender o nome dela). Então eu levei aquele negócio. Bom, primeiro que o disco do Les Paul, o Luiz Brasil falou o seguinte: colocou a mão na cabeça, ouviu...era o principal violonista do conjunto. Falou assim: “puxa rapaz, pensei que Les Paul fosse marca de guitarra” (risos). Ele pensou...ele conheceu um tempo que...ele só conhecia isso, não conhecia Les Paul como músico.

MARCELLO: Então aí foi a palavra do nosso grande amigo Brasil Rocha Brito para o site do Clube do Choro de Santos. Obrigado Brasil.

BRASIL: Disponham sempre e não sei se eu consegui dizer a vocês aquilo que vocês pretendiam que eu...

MARCELLO: Disse sim, com certeza.

BRASIL: ...que vocês vieram à busca do que eu dissesse. Não sei se cheguei a fazer isso que vocês pretendiam.

MARCELLO: Valeu mesmo e agora você vai estar mais próximo da gente, se Deus quiser. Obrigado Brasil.

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